sábado, 18 de outubro de 2008

A imprensa é fútil


Quando surgiu o tema "futilidade", pensei em escrever sobre Rolling Stones. Porque ando numa fase bastante Mick Jagger & Keith Richards, especialmente no álbum de 1969, Let it bleed. E sobre como certas coisas se mantém verdadeiras mesmo com a passagem do tempo, enquanto outras, apesar de parecerem reais, são, na verdade, fúteis.

Mas eis que esse seqüestro invadiu a minha tarde.

Não, não estou preocupada com o estado de saúde de Eloá. Mentira. Estou sim, por dever cívico e moral. Estou mais irritada - muito irritada. Quem disparou aqueles tiros foi o namorado desequilibrado, sim. Com a participação de muita gente de crachá no peito.

Assino formulário que esse garoto não teria disparado nenhum tiro se a imprensa não estivesse fazendo essa cobertura ridícula e absurda, muitas vezes em tempo real, como a que assisti hoje. Um repórter narrando para uma âncora despreparada acontecimentos como: "Três pessoas estão saindo. Não. São duas. Três. Opa, são TRÊS! Não são eles.. Ou são? Opa, um estouro! Não é um tiro, calma, âncora! Não se desespere! Foi apenas uma bomba de efeito moral".

Jornalistas apuram. Jornalistas investigam. Jornalistas contam os fatos da maneira mais satisfatória à sociedade, de uma maneira que os indivíduos façam o melhor uso dessa informação (o que não é a mesma coisa que ser isento, capisce?). Entrevistar seqüestrador não é papel da imprensa. Perguntar quais os planos do seqüestrador após entregar as reféns é gozar da cara da polícia brasileira. E da minha também.

Não tiro a força do desequilíbrio emocional desse garoto - mas ele deveria ser tratado clinicamente, não transformado como atração especial do circo TVNews. 24 horas por dia, especialmente para você, no conforto da sua casa - que é para não respingar sangue. Essa mídia não está interessada se Eloá está bem ou com dores. Se o pai de Eloá é cardíaco ou não. Se esse perturbado tem família. Eles querem sangue. Eles querem fogo. Eles querem BUM! E o que acender o pavio mais rápido ganha o jogo.

Foi assim com o circo do 174, do João Roberto, da Isabella Nardoni. Será assim com Eloá. As instituições brasileiras estão deterioradas de tal modo que o jornalista faz papel de polícia, e a polícia de figurante em um espetáculo dirigido pelo espectador, obviamente. Aquele que detém o poder de fade, o poder de desligar o canal. Quando não desliga, o espetáculo continua. Mais pão! Mais circo!

De acordo com a Wikipedia, "futilidade se refere à falta de valor, sem importância, vulgar, banal, sem sentido, sem nexo, sem noção, vazio". A imprensa é vazia. A imprensa é fútil.


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Um comentário:

:) disse...

há um lado doentio nesse interesse minimalista e quem alimenta essa doença à procura de ibope é a própria mídia. A mídia quer e tentar explorar qualquer elemento de grande emoção para o público telespectador caseiro. O caso Nardoni, o caso João Hélio, o caso Eloá e tantos outros, vieram sempre a calhar para a mídia porque junta muitas determinações a serem exploradas como forma de emocionar os telespectadores. Todos estes são as "vítimas ideais" e isso mostra ainda mais que a mídia tem um viés classista. A mídia vai fazer esta novela render com todos os ingredientes possíveis, tirando do debate público temas mais relevantes. O espaço ocupado por essa menina/vítima é o espaço retirado de coisas muito mais importantes para a vida coletiva. Não podemos culpar somente a mídia, porque a maioria dos telespectadores e leitores também "querem" casos misteriosos, de descoberta, de forte emoção. O caso Eloá é um fato emocionante. A emoção vale mais do que a razão; a novela e o enredo valem mais que o fato. E isso é uma grande futilidade.