sábado, 3 de outubro de 2009

Quando o lar é a indiferença

Brasil, país de indizível beleza e habitat da melhor amostra da espécie humana. Com suas cores e seus ritmos de música e de dança, com a sua raça. Não há população mais bonita do que a brasileira. Afirmo com razão, já conheci gente de quase todos os lugares. Então... Onde foi que eu errei?

Em que momento este grande lar que desperta sentimentos patrióticos tão fortes pode ser o pior pai? Quando passamos ao lado de crianças solitárias nas ruas sem dirigir-lhes o mais frio dos olhares. Não digo que eu também não o faça. Faço e faço todos os dias. Mas porque precisamos fazê-lo?

Há uma história na minha família de que um ladrão que havia roubado a casa vizinha procurou a casa de meu bisavô para se esconder da polícia. As crianças – uma delas era minha mãe – se esconderam no banheiro e a Tia Ana se apiedou do muito jovem “ladrão de galinhas”. Foi escondido embaixo da cama. Meu bisavô já estava doente numa cadeira de rodas e mal falar conseguia. Seu rosto ficava vermelho e via-se que apenas o limite físico o impedia de sair feito um touro expulsando o homem. O Tio André estava sentado na cabeceira da mesa de jantar, onde estivera antes da invasão da casa e de onde não fizera menção de se levantar.

A polícia entrou e revistou a casa. Nitidamente os policiais perceberam que a Tia Ana estava escondendo alguma coisa. Dizia sem parar que “não havia visto ladrão nenhum” e que “não tinha ninguém ali naquela casa”. Foram embora. Meu Tio André continuava na cadeira de madeira e meu bisa acorrentado sem escolha.

Quanto à questão daqueles que não têm casa e habitam as ruas de nosso país, enfeiando e aumentando a violência e medo, creio que existam semelhantes posições. Há aqueles que gostariam de poder levantar da cadeira e gritar, puxar todos das ruas e colocá-los sob tetos e dá-los onde estudar e trabalhar. Mas não podem, são impedidos pela burocracia, pelo dinheiro, pela política, pela vida. E há aqueles que apesar de poderem fazer alguma coisa, preferem assistir de sua bela cadeira de madeira, enquanto tudo que acontece em volta é um grande improviso. Aqueles que não sabem bem como ajudar acabam dando um “jeitinho” que vai adiantar por pouco tempo, sendo defendido com grande insegurança.

Mas, porque iriam, os grandes donos de cabeceiras, se preocupar? Não se permitem gastar uma gota de suor. São apenas uns merdas, uns ladrãozinhos.

Minha tataravó era cortesã. Meu tio tinha tanto sangue azul quanto os sujos que povoavam as ruas e roubavam suas casas. Ninguém é escória e ninguém é elite. São todos brasileiros e todos têm direito de considerar esse país tão maravilhoso quanto ele é.

Próximo tema: Grandes banalidades

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