quarta-feira, 19 de maio de 2010

O trem do tempo apitou

Seus ossos vão doer. Sua vista vai falhar. Seus filhos vão crescer. E seus amigos de longa data, provavelmente, não estarão mais aqui. Você vai se perguntar por que viveu tanto?
Mas tem dias que eu me sinto como me sentia há 50 anos. Jovem. Forte. Vivo.
É, eu não tenho o mesmo pulmão. E minha cabeça já mudou tanto que nem me lembro como ela era. Eu até poderia pensar - ah! se eu tivesse essa cabeça há 50 anos - mas prefiro pensar no desafio de lembrar como minha mente funcionava. O que eu era, já não sou. Ah! mas que saudade de ser. Eu achava que podia conquistar o mundo. Fazia um plano novo a cada dia. Me lembro bem de sonhar em conhecer o Egito ou até mesmo de passar aquele final de semana em Petrópolis com a velha. Não aconteceu. Não posso dizer mais sobre, pois minha memória fraca me impede.
Recordo-me quando meu primeiro filho nasceu. Mas já não pensava mais como gostaria. A preocupação era maior. Não era apenas a minha vida. Lembro de quando minha filha mais nova se formou e aquele imenso vazio que ficou. Eu já não me reconhecia. Meu rosto estava tão diferente. Não notei todas aquelas marcas aparecendo. Obviamente, um homem da minha época não deveria se importar com sua aparência. Confesso, me assustei. Não era vaidade. Era só o tempo me pressionando contra o espaço. Fiquei com medo. Medo de morrer, de esquecer. Passei a pensar na minha inexistência. Como seria o mundo sem mim? O que eu faria quando acabasse. Meus ossos, minha vista cansada pouco me importava. Não eram as dificuldades de ser velho que me afligiam. Era o pouco tempo que hoje ainda menor me resta. Passaram-se 10 anos que minha caçula se formou. E hoje é meu aniversário. Faço 70 anos. Meus filhos e netos estão me esperando descer para a festa. E aqui estou eu... pensando como pensava há 5o anos.
Quando você fizer 70 anos vai sentir saudade de tudo o que lembra e até do que não lembra. E nesse dia vai sentir vontade de não carregar o peso de uma cabeça velha sobre o pescoço fraco.
Vai chorar, como eu choro agora... de saudade. de tristeza. de alegria. Por ter vivido muito em tão pouco tempo. E sentir o vazio de ter pensado pouco sobre o como pensava.

Próximo tema: Monofobia.

Um comentário:

Karina disse...

caraca, que texto lindo! quase chorei, serio mesmo!!!