terça-feira, 6 de janeiro de 2009

A culpa e os delicados pedidos de moderação


Foto: Eyad Baba/AP


por John McCarthy


"A invasão de Gaza por Israel ocorre na sequência de uma pesada campanha aérea - justificada como uma retaliação pelos foguetes do Hamas lançados no sul de Israel. Cada foguete ou morteiro disparado da Faixa de Gaza é reportadi pela imprensa internacional e, no momento em que escrevo, mais de 400 foram contabilizados durante a semana.

Detalhes dos ataques israelenses são bem mais difíceis de encontrar, mas, segundo o relatório semanal da Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas, a Força Aérea Israelense teria lançado 400 bombas. Não ao longo dos últimos sete dias, mas nos primeiros minutos de sua operação em Gaza. Essas e centenas de outras bombas já mataram mais de 400 palestinos. Os foguetes do Hamas causaram somente quatro mortes.

Os israelenses esperam que seu governo puna os ataques e, com eleições marcadas para dentro de um mês, os políticos estão ansiosos para se mostrarem prontos a fazer qualquer coisa para proteger seu povo. Ehud Barak, o ministro da Defesa do governo de coalizão, viu a sua aprovação, bem como a do Partido Trabalhista que lidera, subir nas pesquisas de opinião como resultado da campanha contra o hamas, chamada por ele de 'uma guerra até o mais amargo fim'.

Ainda assim, depois de uma semana de ataques aéreos, o Hamas continua lançando foguetes - e com alcance cada vez maior. Parece inevitável que a campanha militar avance, causando mais e mais mortes de civis, até que a pressão internacional por uma trégua se torne forte o suficiente para promover um cessar-fogo.

Embora a resposta desproporcional já tenha provocado diversos pedidos de moderação por parte de vários organismos internacionais, o governo israelense continua a se retratar como uma vítima passiva sob ameaça. Ehud Barak descreveu Israel como 'uma vila no meio da selva' e um local civilizado cercado de hordas de selvagens.

Eu já encontrei diversos israelenses que se veem exatamente assim, convencidos de que o resto do mundo não entende seu sofrimento e de que a única coisa importante é deter os foguetes do Hamas. O relatório da ONU da próxima semana deve apontar que, por conta do bloqueio imposto por Israel, alimentos, medicamentos, água e combustível estão tão limitados que Gaza se encontra à beira de um desastre humanitário. Mas a chanceler de Israel, Tzipi Livni, nega tal problema e divulga a amplamente aceita teoria de que o sofrimento das pessoas que vivem em Gaza é consequência de sua tolerância à liderança do Hamas.

Essa intrensigência é tão surpreendente? Israel vem ignorando, impunimente, inúmeras resoluções da ONU sobre o retorno de refugiados palestinos, sobre o fim da ocupação na Cisjordânia e sobre o fato de encorajar seu próprio povo a se instalar nos territórios ocupados, entre outras.

E por que não há real pressão para que as cumpra? O fato é que Israel detém a mais poderosa influência psicológica sobre o imaginário coletivo mundial que carrega a culpa pelo Holocausto. Isso significa que, embora o mundo possa, esporadicamente, fazer críticas a Israel, ninguém ousa ir muito além, talvez por medo de ser acusado de anti-semitismo ou de estar, de certa forma, atacando um povo que historicamente já sofreu tanto. A tragédia é que, agora, um outro povo, os palestinos, está sofrendo por causa da hesitação do mundo em ofender Israel.

Quantas vezes mais o mundo pedirá com delicadeza para que 'sejam mais moderados' enquanto as telas de nossas televisões continuam mostrando civis encolhidos sob ataques aéreos e hospitais incapazes de tratar os feridos? Sim, o Hamas deve interromper seus ataques. Mas, sobretudo, é hora de Israel ser cobrado para que reconheça o desejo da comunidade internacional".

* JOHN McCARTHY, sequestrado no Líbano em 1986 e mantido em cativeiro por cinco anos pelo grupo Jihad Islâmica, escreveu este artigo para o jornal "Independent", traduzido pelo jornal "O Globo" em 05/01/09.

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