terça-feira, 29 de setembro de 2009

Zumbido

Acho que o medo é um pouco espelho da gente. É um pouco como as entranhas, que a gente olha e se espanta com a própria feiúra. Mas ai a gente vai aprendendo a maquiar essa feiúra e de repente não sabemos mais o que somos a partir do momento que não sabemos o que tememos.
Quando uma criança leva um susto é uma coisa engraçada de se ver. Um dia desses, eu estava andando na rua e um pombo voou perto de um menino loirinho que segurava a mão do pai. O seu susto foi tão grande e tão verdadeiro que ele começou a chorar. E quando eu achava que ele já tinha se recuperado, abria a boca mais uma vez e exprimia aquele gemido que saía em forma de mais lágrimas. Seu rosto brilhava de tanto medo, e parecia que jamais iria passar.
Hoje fui descer uma escada e vi uma abelha que flutuava mais ou menos na altura da minha cintura. Ali permaneci, estática como se a abelha pudesse cheirar a minha fobia. Não me movi, apenas os olhos iam seguindo o seu voo estranho. Só fui capaz de descer quando uma mulher me passou a frente e desceu o primeiro degrau. Não lhe segurei a mão porque tive medo de ser repreendida, mas praticamente lhe pisava a barra da calça.
Será isso um pouco de solidão no final das contas? Será que no fundo, o medo não é um pouco de carência? Precisamos do medo para que tenhamos alguém para nos dizer que vai dar tudo certo, é só acreditar. Precisamos do medo para que possamos fazer os outros se sentirem úteis, para que precisemos de proteção e direção. Precisamos do medo para que nós mesmos possamos nos dizer que somos capazes.
Reafirmamos-nos para nós mesmos ao descer uma escada guardada por uma abelha ou ao não desistir de fazer alguma coisa que pode não dar certo. Acreditamos mais que somos capazes se passarmos por aquele grande estágio de temor e dúvida.
Temos medo de tudo. Medo de barata, de ser diferente demais, de ser igual demais, de falar muito, de se fuder, de amar, medo de ter medo. Temer a si mesmo será o maior de todos. Nunca haverá algo mais assustador do que a vida que carregamos latejada. Por isso ficamos olhando a abelha voando. Estamos sempre na porta em pé, paralisados sem descer a escada. A abelha desafia a nossa apatia, e quando descemos atrás de alguém, mostramos a nossa relutância em participar da vida. Mas ela fica zumbindo na nossa cabeça.
Aquilo que nós temíamos na infância era que virássemos adultos como os nossos pais. Chorávamos por causa de um pombo porque assim nos lembraríamos de nossa ingenuidade e nos confortaríamos com o colo da mãe, ou a risada do pai. O que tememos agora é a nós mesmos. Não queremos saber nossos verdadeiros limites, então preferimos nos limitar o tempo inteiro, porque é mais fácil se surpreender depois.
A coragem precisa de uma companhia, de uma mão no ombro para seguirmos em frente, e nós definitivamente gostamos e nos agarramos nisso. Talvez encarar logo as entranhas e se espantar fosse mais fácil, mas definitivamente, seria muito menos doloroso, e portanto, muito menos prazeroso. Evitar a vida parece mais interessante do que descobri-la.

Próximo tema: Vulnerabilidade.

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